segunda-feira, 19 de março de 2012

Eternity - Capítulo Um



Capítulo Um

Ascensão e guardião

Somos a lenda da humanidade

— Ascensão —
Veio a noite ventosa, e brisa que vinha era como asas de pequenos colibris. O céu costumava ser límpido - um manto escuro que vinha de braços estendidos cobrindo toda a vegetação, o pântano. As estrelas cintilavam presas no manto, como pérolas cuidadosamente bordadas em uma rica trama.
No entanto agora era meia-noite, e o céu estava em chamas. As labaredas tentavam insistentemente alcançar o manto do céu, soltando rolos enormes de fumaça. Blaine acompanhava o fogo engolindo tudo no caminho. E a lembrança aflorava, perdurando em sua mente com uma calma que espantava.
E ela podia ouvir os gritos, misturados ao ininterrupto rugir do fogo. Podia ouvir Patrick, podia sentir como a fumaça lhe queimava a garganta que dificultava a respiração. E quando ele se rendeu também, comido vivo pelas chamas na mesma casa em que nasceu.

Era o fim do mundo. Do seu mundo.
A velha anciã Jamile apertou o ombro da neta. Ela se afastou do toque, e abriu os olhos. Estava tremendo.
Ela se lembrou de um dia ter perguntado ao pai qual era a sensação de perder sua alma. Giulio lhe disse que era como ter seu coração arrancado do peito e mesmo assim continuar a tê-lo batendo contra a peito. Era como viver pela metade, e todas as emoções que você sentisse a partir daquele momento eram incompletas.
Seu coração parecia ter sido reduzido as mesmas cinzas que Patrick, e no entanto o pequeno órgão fantasma batia com força sob as suas costelas.
 Agora ela não tinha mãe e perderá sua alma. Os anos que outrora pareciam curtos ao lado de Patrick seriam demasiadamente longos.
Sei como está se sentindo, Blaine disse Jamile mansamente.
Não, a senhora não sabe, não e sua voz repentinamente alta e forte; uma raiva incandescente saltava dela.
Blaine deu às costas a avó e ficou olhando em volta com os olhos “especialmente azuis”, como dizia Patrick.
Ela sentia o pântano no ar, quente e grudento como uma segunda pele. A extremidade do pântano estava repleta de plataformas de madeira feitas de troncos de cipreste amarrados com corda; barcas pequenas que acomodavam no máximo três pessoas. Elas se alinhavam na margem, movendo-se quando o rabo de um jacaré batia na água na hora em que ele deslizava para o pântano.
No centro da clareira uma enorme fogueira devorava os galhos secos e alguns pedaços do tronco de um carvalho. Os pedaços usados como lenha queimavam com intensidade sobre os olhares dos bruxos que compunham a Ordem da família ancestral Winston. As chamas atingiam o céu negro.
O fogo era o prelúdio de morte, no entanto naquele contexto significava renascimento. A promessa de vida perpétua para todos os cernes da família Winston. De acordo com o ritual de ascensão, no seu 16º aniversário, como uma fênix — a mesma que ilustrava o brasão da família — renasceria entre as cinzas da morte.
Blaine olhou para o outro lado da fogueira, mas não conseguia ver Christopher - irmão do pai de Patrick, e respectivamente seu tio - por trás das chamas. Sabia que ele estava lá, e sabia que mal tiveram tempo de vestir o luto.
Você vai ficar bem, e depois dessa noite terá uma grande força. disse a voz de Jamile.
Ela sentiu a raiva incandescente lamber suas entranhas, transformar-se em labareda, no terrível vácuo que antes havia amor, enchendo-o com o desejo de ferir sua própria vó por sua calma e suas palavras vazias.
Grande força, é? retorquiu Blaine, sua voz trêmula, o olhar fixo na fogueira, mas sem vê-la. Eu perdi meu domínio junto com Patrick. Não posso controlar a água, que me adianta um poder maior?
Você ainda pode se aperfeiçoar nos feitiços, estudar o Grande Livro da Família.
Era demais. Blaince se virou, tremendo de raiva.
Não quero mais poder! Não quero mais viver!
Por alguns segundos elas se encararam.
Mas as palavras agressivas já não eram suficientes; ela queria fugir, queria fugir sem parar, sem nunca olhar para trás, queria ir para algum lugar em que não se lembrasse dos olhos de Patrick, do seu grito.
Está na hora, Blaine. — um homem com uma barba branca, e com óculos redondos se aproximou os olhos escuros presos em Blaine. Ela o reconheceu, era Matthew conhecido como “Merlim” por conta de sua longa barba pontiaguda, e sua sabedoria; ele era o líder da Ordem Winston.
— Vamos descendente de Winston. — ela esperou fitar os olhos azuis da vó, não era mais Jamile. Era a guardiã, a poderosa bruxa das quatro luas.
Blaine caminhou em passos cadenciados até o centro do círculo, ela observava as labaredas vermelhas tremulando em uma dança suave de faíscas.
Eram 23h58, ela fechou os olhos. Uma cantiga suave se iniciou, os membros da Ordem sussurravam docemente simultaneamente — eram os feitiços de conjuro. No princípio recitaram lentamente, depois cada vez mais alto.
Ela abriu os olhos, a luz parecia banhada em ouro líquido, sua luz dourada banhava toda a clareira.
Eram 00h00

Pela visão de Blaine

Um calor corria pelas minhas veias, onde deveria haver sangue. O calor explodiu nas minhas mãos, como se tivesse vida própria.  Senti a eletricidade percorrer meu corpo e relaxei, aceitando o fato que se eu morresse, pelo menos estaria de novo com Patrick. Eu o sentia, sentia como ele estava longe de mim, sentia o quanto eu o amava.
— Nada mais me importa. Minha vida e missão acabaram com Patrick.
Falei as palavras com confiança. Uma certeza confiança que só vem de não ligar mesmo se você vai viver ou morrer.
— Não faça isso, Blaine Rainy Winston. Não se meta com as forças regentes.
Tentei limpar as lágrimas do meu rosto, mas outras surgiam. Olhei para o céu. Um relâmpago atingiu a mim, explodindo em chamas. Depois percebi que as chamas vinham de dentro de mim, eram o calor proveniente das minhas veias, se estendendo por cada célula vida do meu corpo.
Mais um relâmpago cortou o céu, eu sabia para onde ele ia antes mesmo de cair. Eu parecia um pára-raios humano, eu atraía qualquer tipo de eletricidade. Eu desejava arrancar minha carne, nunca nos meus piores pesadelos a dor era tão lancinante.
Ajoelhei-me ao lado da grande fogueira, eu queria encontrar o fogo destruidor. Eu queria me encontrar com Patrick e aniquilar aquela dor.
Avancei para a fogueira, esperei o fogo devastar minha carne humana, mas nada aconteceu. A chuva começou a cair, e minha visão embaçada se aguçou até que pude ver as rajadas de chuva atingindo as chamas. Eu podia ver claramente pela primeira vez em muito tempo, talvez melhor do que nunca.
Fumaça brotava da minha pele, e uma camada de pó cinzento que descia por meus braços formou uma lama ao meu redor. Eles não me deixaram morrer, a fúria começou a crescer dentro de mim de novo, o vento soprando com força em volta da clareira, se revirando como minhas emoções.
Então eu senti uma última corrente de poder por minhas vértebras, e foi o fim. Senti o baque da lama no meu corpo, e fechei os olhos esperando o sono eterno.
Eram 00h01
--x—

— Guardião —

Blaine despertou e imediatamente olhou para o celular, o relógio marcava 03h38. Ela se lembrava de estar deitada no chão enlameado do pântano, deixando a chuva a molhar.
Lembrava-se dos raios da dor, se lembrava de ter se atirado ao fogo, e em como as forças foram cruéis em não lhe permitir morrer. As mãos tatearam pelo corpo — estava vestida com roupas secas, a pele intocável, sem qualquer ferida. Ela esperava ficar zonza ao se levantar, mas o movimento foi natural, fluido. Ela esperava talvez uma mudança, ma sentia-se a mesma.
Várias vozes altas ecoaram para seu quarto, eram altas, fortes e com uma fúria indomável. Então reconheceu o tom de Jamile. A velha guardiã praguejava alto, e Blaine se encolheu com o crepitar que a casa deu, parecia que um rolo atingirá as estruturas da casa. Acontecia um confronto lá embaixo.
Sorrateira como um gato, Blaine desceu as escadas. A imagem do rosto da vó distorcida por um semblante de fúria e poder a paralisou. Ela olhou para o lado procurando o alvo de Jamile. Um vulto todo em preto foi arremessado a porta do porão. O capuz caiu revelando um homem de cabelos negros que pendiam nos ombros, a pele tão clara como a neve. O rosto de traços tão belos que provocou uma inquietação em Blaine. E por um segundo seus olhos se encontraram. Eram tão negros quanto os infinitos abismos das trevas.
E ela viu sua verdadeira imagem. A pele perfeita deu lugar a escamas grossas como de um réptil, pequenas ramificações tremiam em seu rosto, ele estava ofegando. Os olhos tão negros como a meia-noite no céu ébano fecharam em suas fendas.
O que era aquilo? Pensou Blaine.
— Seu maldito Boleyn! Vou derramar seu sangue asqueroso, da mesma maneira que derramou o sangue do guardião!
— Eu fui apenas um comissário, se me matar, nunca vai descobrir o que está por vir... Garanto, que é de seu interesse — sua língua tinha uma prega, que se dividia em duas partes. Sua fala era ofídica, os “s” saíam sibilando.
— Não! Você matou Patrick! — uma fúria convergia de Blaine. Uma brisa inexistente começou a sacolejar os móveis, as luzes piscando sinistramente.
Sem se importar com que poderia ser essa criatura, Blaine avançou sobre o corpo de réptil.
— Blaine! Você vai morrer — Jamile tentou impedir a neta, mas foi impelida pela energia que emanava dela.
A criatura deu um sorriso sinistro, enquanto Blaine tentava sufocá-la com as mãos pequenas.
— Cometeu vários erros, pequena Winston. Quer sabê-los antes de morrer? — a criatura gargalhava. — Primeiro você é fraca nunca poderia me derrotar. Segundo, perdeu seu domínio com a morte de sua alma. Terceiro somente um guardião pode exterminar um Boleyn desenvolvido. Agora diga adeus a sua vida.
Blaine sentiu algo deslizar por sua cintura, e se deparou com uma cauda pegajosa. Na extremidade as escamas se abriram, onde grandes espinhos viscosos saíram mirando seu rosto.
— Apenas uma criatura morrerá essa noite, e não serei eu!
Com apenas o olhar a cauda começou a pegar fogo. Eram chamas azuladas, que consumiram toda a extensão da cauda, indo para o corpo da criatura. Blaine sacolejou as mãos, e uma rajada violenta de ar, jogou o Boleyn até fora da casa.
A criatura se debatia inutilmente para apagar o fogo que devorava suas veias, engolfando seus ossos. Em um movimento sinuoso, Blaine ergueu as mãos para o céu, convocando uma tempestade. O céu negro encheu-se de nuvens carregadas, a chuva caía sem piedade sobre a criatura.
Finalmente o Boleyn se aquietou, a respiração fraca. E com diversas queimaduras graves que haviam penetrado suas escamas.
— Só irá viver até o dia em que me for útil. Portanto é bom que tenha alguma informação que me agrade.
Blaine lhe deu as costas. A vó a fitava aturdida, os lábios tremendo.
— Você é uma guardiã! Como isso aconteceu?

--x--

N/A:

Quero agradecer a todos que comentaram ^^
Vocês são uns anjos, e me inspiram. Muito obrigada.
Bom, quanto a história esse capítulo dá início a missão de vingança de Blaine. E partir daqui os segredos vão sendo dissecados.
Sei que estão se coçando para saber o que diabos são os Boleyn's... Próximo capítulo Blaine descobrirá muita coisa.
Espero que estejam gostando.
Um beijo enorme!



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