— Capítulo Um —
Ascensão e guardião
Somos
a lenda da humanidade
— Ascensão —
Veio a noite ventosa, e brisa que
vinha era como asas de pequenos colibris. O céu costumava ser límpido - um
manto escuro que vinha de braços estendidos cobrindo toda a vegetação, o
pântano. As estrelas cintilavam presas no manto, como pérolas cuidadosamente
bordadas em uma rica trama.
No
entanto agora era meia-noite, e o céu estava em chamas. As labaredas tentavam
insistentemente alcançar o manto do céu, soltando rolos enormes de fumaça.
Blaine acompanhava o fogo engolindo tudo no caminho. E a lembrança aflorava,
perdurando em sua mente com uma calma que espantava.
E ela
podia ouvir os gritos, misturados ao ininterrupto rugir do fogo. Podia ouvir
Patrick, podia sentir como a fumaça lhe queimava a garganta que dificultava a
respiração. E quando ele se rendeu também, comido vivo pelas chamas na mesma
casa em que nasceu.
Era o
fim do mundo. Do seu mundo.
A velha
anciã Jamile apertou o ombro da neta. Ela se afastou do toque, e abriu os
olhos. Estava tremendo.
Ela se
lembrou de um dia ter perguntado ao pai qual era a sensação de perder sua alma. Giulio lhe disse que era como ter
seu coração arrancado do peito e mesmo assim continuar a tê-lo batendo contra a
peito. Era como viver pela metade, e todas as emoções que você sentisse a
partir daquele momento eram incompletas.
Seu
coração parecia ter sido reduzido as mesmas cinzas que Patrick, e no entanto o
pequeno órgão fantasma batia com força sob as suas costelas.
Agora ela não tinha mãe e perderá sua alma. Os anos que outrora pareciam
curtos ao lado de Patrick seriam demasiadamente longos.
— Sei como está se sentindo,
Blaine — disse Jamile mansamente.
— Não, a senhora não sabe, não — e sua voz repentinamente alta e forte; uma raiva
incandescente saltava dela.
Blaine
deu às costas a avó e ficou olhando em volta com os olhos “especialmente
azuis”, como dizia Patrick.
Ela
sentia o pântano no ar, quente e grudento como uma segunda pele. A extremidade
do pântano estava repleta de plataformas de madeira feitas de troncos de
cipreste amarrados com corda; barcas pequenas que acomodavam no máximo três
pessoas. Elas se alinhavam na margem, movendo-se quando o rabo de um jacaré
batia na água na hora em que ele deslizava para o pântano.
No
centro da clareira uma enorme fogueira devorava os galhos secos e alguns
pedaços do tronco de um carvalho. Os pedaços usados como lenha queimavam com
intensidade sobre os olhares dos bruxos que compunham a Ordem da família
ancestral Winston. As chamas atingiam o céu negro.
O fogo
era o prelúdio de morte, no entanto naquele contexto significava renascimento. A promessa de vida
perpétua para todos os cernes da família Winston. De acordo com o ritual de
ascensão, no seu 16º aniversário, como uma fênix — a mesma que ilustrava o brasão da
família — renasceria entre as cinzas da morte.
Blaine
olhou para o outro lado da fogueira, mas não conseguia ver Christopher - irmão
do pai de Patrick, e respectivamente seu tio - por trás das chamas. Sabia que
ele estava lá, e sabia que mal tiveram tempo de vestir o luto.
— Você vai ficar bem, e depois
dessa noite terá uma grande força. —
disse a voz de Jamile.
Ela
sentiu a raiva incandescente lamber suas entranhas, transformar-se em labareda,
no terrível vácuo que antes havia amor, enchendo-o com o desejo de ferir sua
própria vó por sua calma e suas palavras vazias.
— Grande força, é? — retorquiu Blaine, sua voz trêmula, o olhar fixo na
fogueira, mas sem vê-la. — Eu
perdi meu domínio junto com Patrick. Não posso controlar a água, que me adianta
um poder maior?
— Você ainda pode se aperfeiçoar
nos feitiços, estudar o Grande Livro da Família.
Era
demais. Blaince se virou, tremendo de raiva.
— Não quero mais poder! Não quero
mais viver!
Por
alguns segundos elas se encararam.
Mas as
palavras agressivas já não eram suficientes; ela queria fugir, queria fugir sem
parar, sem nunca olhar para trás, queria ir para algum lugar em que não se
lembrasse dos olhos de Patrick, do seu grito.
— Está na hora, Blaine. — um homem
com uma barba branca, e com óculos redondos se aproximou os olhos escuros
presos em Blaine. Ela o reconheceu, era Matthew conhecido como “Merlim” por
conta de sua longa barba pontiaguda, e sua sabedoria; ele era o líder da Ordem
Winston.
—
Vamos descendente de Winston. — ela esperou fitar os olhos azuis da vó, não era
mais Jamile. Era a guardiã, a poderosa bruxa das quatro luas.
Blaine
caminhou em passos cadenciados até o centro do círculo, ela observava as
labaredas vermelhas tremulando em uma dança suave de faíscas.
Eram
23h58, ela fechou os olhos. Uma cantiga suave se iniciou, os membros da Ordem
sussurravam docemente simultaneamente — eram os feitiços de conjuro. No
princípio recitaram lentamente, depois cada vez mais alto.
Ela
abriu os olhos, a luz parecia banhada em ouro líquido, sua luz dourada banhava
toda a clareira.
Eram
00h00
Pela visão de Blaine
Um calor corria pelas minhas
veias, onde deveria haver sangue. O calor explodiu nas minhas mãos, como se
tivesse vida própria. Senti a
eletricidade percorrer meu corpo e relaxei, aceitando o fato que se eu
morresse, pelo menos estaria de novo com Patrick. Eu o sentia, sentia como ele
estava longe de mim, sentia o quanto eu o amava.
— Nada mais me importa. Minha
vida e missão acabaram com Patrick.
Falei as palavras com confiança.
Uma certeza confiança que só vem de não ligar mesmo se você vai viver ou
morrer.
— Não faça isso, Blaine Rainy
Winston. Não se meta com as forças regentes.
Tentei limpar as lágrimas do meu
rosto, mas outras surgiam. Olhei para o céu. Um relâmpago atingiu a mim,
explodindo em chamas. Depois percebi que as chamas vinham de dentro de mim,
eram o calor proveniente das minhas veias, se estendendo por cada célula vida
do meu corpo.
Mais um relâmpago cortou o céu,
eu sabia para onde ele ia antes mesmo de cair. Eu parecia um pára-raios humano,
eu atraía qualquer tipo de eletricidade. Eu desejava arrancar minha carne,
nunca nos meus piores pesadelos a dor era tão lancinante.
Ajoelhei-me ao lado da grande
fogueira, eu queria encontrar o fogo destruidor. Eu queria me encontrar com
Patrick e aniquilar aquela dor.
Avancei para a fogueira, esperei
o fogo devastar minha carne humana, mas nada aconteceu. A chuva começou a cair,
e minha visão embaçada se aguçou até que pude ver as rajadas de chuva atingindo
as chamas. Eu podia ver claramente pela primeira vez em muito tempo, talvez
melhor do que nunca.
Fumaça brotava da minha pele, e
uma camada de pó cinzento que descia por meus braços formou uma lama ao meu redor.
Eles não me deixaram morrer, a fúria começou a crescer dentro de mim de novo, o
vento soprando com força em volta da clareira, se revirando como minhas
emoções.
Então eu senti uma última
corrente de poder por minhas vértebras, e foi o fim. Senti o baque da lama no
meu corpo, e fechei os olhos esperando o sono eterno.
Eram 00h01
--x—
— Guardião —
Blaine
despertou e imediatamente olhou para o celular, o relógio marcava 03h38. Ela se
lembrava de estar deitada no chão enlameado do pântano, deixando a chuva a
molhar.
Lembrava-se
dos raios da dor, se lembrava de ter se atirado ao fogo, e em como as forças
foram cruéis em não lhe permitir morrer. As mãos tatearam pelo corpo — estava
vestida com roupas secas, a pele intocável, sem qualquer ferida. Ela esperava ficar
zonza ao se levantar, mas o movimento foi natural, fluido. Ela esperava talvez
uma mudança, ma sentia-se a mesma.
Várias
vozes altas ecoaram para seu quarto, eram altas, fortes e com uma fúria
indomável. Então reconheceu o tom de Jamile. A velha guardiã praguejava alto, e
Blaine se encolheu com o crepitar que a casa deu, parecia que um rolo atingirá
as estruturas da casa. Acontecia um confronto lá embaixo.
Sorrateira
como um gato, Blaine desceu as escadas. A imagem do rosto da vó distorcida por
um semblante de fúria e poder a paralisou. Ela olhou para o lado procurando o
alvo de Jamile. Um vulto todo em preto foi arremessado a porta do porão. O
capuz caiu revelando um homem de cabelos negros que pendiam nos ombros, a pele
tão clara como a neve. O rosto de traços tão belos que provocou uma inquietação
em Blaine. E por um segundo seus olhos se encontraram. Eram tão negros quanto
os infinitos abismos das trevas.
E ela
viu sua verdadeira imagem. A pele perfeita deu lugar a escamas grossas como de
um réptil, pequenas ramificações tremiam em seu rosto, ele estava ofegando. Os
olhos tão negros como a meia-noite no céu ébano fecharam em suas fendas.
O que era aquilo? Pensou Blaine.
— Seu
maldito Boleyn! Vou derramar seu sangue asqueroso, da mesma maneira que
derramou o sangue do guardião!
— Eu
fui apenas um comissário, se me matar, nunca vai descobrir o que está por
vir... Garanto, que é de seu interesse — sua língua tinha uma prega, que se
dividia em duas partes. Sua fala era ofídica, os “s” saíam sibilando.
— Não!
Você matou Patrick! — uma fúria convergia de Blaine. Uma brisa inexistente
começou a sacolejar os móveis, as luzes piscando sinistramente.
Sem se
importar com que poderia ser essa criatura, Blaine avançou sobre o corpo de
réptil.
—
Blaine! Você vai morrer — Jamile tentou impedir a neta, mas foi impelida pela
energia que emanava dela.
A
criatura deu um sorriso sinistro, enquanto Blaine tentava sufocá-la com as mãos
pequenas.
—
Cometeu vários erros, pequena Winston. Quer sabê-los antes de morrer? — a
criatura gargalhava. — Primeiro você é fraca nunca poderia me derrotar.
Segundo, perdeu seu domínio com a morte de sua alma. Terceiro somente um
guardião pode exterminar um Boleyn desenvolvido. Agora diga adeus a sua vida.
Blaine
sentiu algo deslizar por sua cintura, e se deparou com uma cauda pegajosa. Na
extremidade as escamas se abriram, onde grandes espinhos viscosos saíram
mirando seu rosto.
—
Apenas uma criatura morrerá essa noite, e não serei eu!
Com
apenas o olhar a cauda começou a pegar fogo. Eram chamas azuladas, que
consumiram toda a extensão da cauda, indo para o corpo da criatura. Blaine
sacolejou as mãos, e uma rajada violenta de ar, jogou o Boleyn até fora da
casa.
A
criatura se debatia inutilmente para apagar o fogo que devorava suas veias, engolfando
seus ossos. Em um movimento sinuoso, Blaine ergueu as mãos para o céu,
convocando uma tempestade. O céu negro encheu-se de nuvens carregadas, a chuva
caía sem piedade sobre a criatura.
Finalmente
o Boleyn se aquietou, a respiração fraca. E com diversas queimaduras graves que
haviam penetrado suas escamas.
— Só
irá viver até o dia em que me for útil. Portanto é bom que tenha alguma
informação que me agrade.
Blaine
lhe deu as costas. A vó a fitava aturdida, os lábios tremendo.
— Você
é uma guardiã! Como isso aconteceu?
--x--
N/A:
Quero
agradecer a todos que comentaram ^^
Vocês são uns anjos, e me inspiram. Muito obrigada.
Bom, quanto a história esse capítulo dá início a missão de vingança de Blaine. E partir daqui os segredos vão sendo dissecados.
Sei que estão se coçando para saber o que diabos são os Boleyn's... Próximo capítulo Blaine descobrirá muita coisa.
Espero que estejam gostando.
Um beijo enorme!
Vocês são uns anjos, e me inspiram. Muito obrigada.
Bom, quanto a história esse capítulo dá início a missão de vingança de Blaine. E partir daqui os segredos vão sendo dissecados.
Sei que estão se coçando para saber o que diabos são os Boleyn's... Próximo capítulo Blaine descobrirá muita coisa.
Espero que estejam gostando.
Um beijo enorme!
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