Prefácio
Um
ano atrás...
4
de março, 2010
Os sinais de tempestade
manifestaram-se ao longo de toda semana. E hoje a chuva cumpria o que prometeu,
as nuvens estavam totalmente pretas. Estava sem o capacete, à água caía sem
trégua dos céus golpeando meu rosto, o uivo da chuva sibilando nos meus
ouvidos. Puxei o capuz da cabeça, deixando a chuva escorrer por meus cabelos.
Vi
Patrick erguer a mão direita do guidão, e orquestrar o ritmo da chuva com as
pontas dos dedos, transformando a tempestade em nada mais do que gotículas
suaves caindo do céu que se abria.
Ao nosso
redor casas vitorianas e encharcadas com cercas de estacas brancas ladeavam a
rua, todas iguais ao dia em que foram construídas. Nossa rua se chamava Witch Street, a vizinhança era formada
totalmente por bruxos. Na visão dos cidadãos comuns de Swamp
Waters o nome da rua era apenas uma lembrança nostálgica das antigas lendas
que cresceram ouvindo. Para minha família era o marco do fim da perseguição que
dizimou tantos de nossa raça.
O ronco
do motor robusto de oito cilindros da Harley Davidson de Patrick perfurou o
silêncio da pacata vizinhança.
Nós dois
estávamos molhados, mas apenas ficamos sentados sem dizer nada. Eu sabia o que
queria dizer, mas também sabia que não podia dizer.
O que não pode me dizer?
A voz de
Patrick surgiu no fundo da minha cabeça. Não era algo que me assustava, na
verdade nos unia ainda mais.
Nada. Só estou com medo.
Não precisa. Eu já passei por
isso, e olha ainda estou vivo.
Eu sabia
que sua intenção era me tranqüilizar, mas não era a ascensão que eu mais temia.
Era aquela sensação de está-lo perdendo, que uma cratera se abriria sob nossos
pés, e eu não teria forças para segurá-lo.
Eu não
poderia viver sem ele.
Meus
braços ainda estavam ao redor da cintura dele, e tive que resistir à vontade de
abraçá-lo com mais força, para garantir que ele não pudesse se afastar. Patrick
olhou nos meus olhos, com a ponta dos meus dedos afastei seu cabelo cor de noz,
que escorregava como seda escondendo seus olhos camaleão; naturalmente azuis,
porém agora outro tom se pronunciava no olho esquerdo, um verde esmeralda. Duas
pedras brilhantes enriqueciam seus olhos, safira e esmeralda. Isso acontecia
quando Patrick manipulava os elementos, como fez agora pouco com a tempestade –
o elemento água.
No seu
aniversário de 16 anos, quando todos nós temos nossa ascensão. Patrick
descobriu muito mais do que poderes infinitamente mais fortes e maduros, ele
foi invocado como guardião. A última invocação fora de minha vó, e agora duas
gerações posteriores Patrick fora invocado, tendo domínio absoluto sobre os
quatro elementos; água, terra, fogo e ar.
Ele
afastou meu cabelo do ombro, ouvi tão claramente como se ele tivesse sussurrado
no meu ouvido, só que significava mais que poderia significar se ele tivesse
dito as palavras em voz alta. Ele as disse do único jeito importante para nós.
Do jeito que nós tínhamos encontrado desde o começo.
Eu te amo, Blaine.
Por um
segundo, eu não soube o que dizer, porque “eu te amo” não parecia o bastante. Mas
eu disse mesmo assim, porque realmente sentia.
Eu te amo também, P.C. Sempre
amei.
Aconcheguei-me
a ele, apoiando a minha cabeça no seu ombro. As notas do seu perfume amadeirado
misturavam-se ao cheiro de couro de sua jaqueta úmida, uma combinação singular.
De
soslaio fitei seu rosto. Patrick estava olhando para frente, mas dava para
notar a tensão no seu maxilar, e o verde que dominava seu olho esquerdo exibia
longos filetes de negro que se espalhavam pelas órbitas. Ele estava concentrado
de uma forma nada natural em um ponto muito além. Então senti uma coisa, aquela
parte dele que se mantinha fechada para o mundo, senti que nunca se abriria.
--x—
Passei
pela porta, e imediatamente me senti tentada a explorar os cômodos da casa.
Eu
estava expressamente proibida de andar pela casa. Afinal, qual era o problema?
Eu era a aniversariante, e como tal, tinha pleno e total direito de acompanhar
os preparativos.
Quanto
mais pensava sobre meu décimo sexto aniversário, mais nervosa eu ficava.
Em
passos sorrateiros como o de um felino foi me encaminhando até a sala.
A sala
estava iluminada por velas bruxulentas, que flutuavam acima da mobília, criando
piscinas de luz da lua para onde que eu olhasse. Pequenos pedaços de cordão com
contas prateadas e roxas penduradas no lustre. A mesa estava posta com pratos
prateados e branco-perolados, que, em minha opinião, eram feitos mesmo de
pérola.
O cômodo
ao lado exibia outro estilo de decoração, muito mais jovial. Parecia com a
Hollywood antiga; o piso era preto e branco, quadriculado, e flocos de neve
brilhavam, flutuando no ar. As cortinas prateadas eram iridescentes, e no lugar
do lustre de cristal, um globo de discoteca que brilhava como o oceano; mesmo
sabendo que não podia ser.
A porta
da cozinha se abriu. A velha guardiã, Jamile Winston passou por ela de costas,
carregando uma enorme bandeja de prata, cheia de frutas com aparência exótica
que definitivamente não eram da Carolina do Sul.
Inutilmente
tentei sair sem ser vista, seus olhos azuis idênticos aos meus tendiam a me
fazer sentir culpada, mesmo que não fosse o caso. Minha vó era uma força
absoluta na minha casa.
— Blaine Rainy Winston — ela me chamou, no exato momento que subia o
primeiro degrau.
Continue
subindo, finja que não ouviu. Ela vai desistir e pensar que você não ficou
bisbilhotando pela casa. Eu me ordenei.
— Não subestime minha inteligência
— vovó se virou, o longo vestido preto que cintilava
sombriamente com as chamas incandescentes das velas, e tinha um cinto amarrado
a sua cintura, o tecido imitou seus movimentos bailando. Parecia estranhamente
atemporal, como nada que nenhum cidadão de Swamp Water tivesse visto neste país
ou mesmo neste século. Ela já estava vestida de acordo com a festividade. — Me recordo muito bem de ter te proibido de ficar
andando no andar de baixo.
— Queria falar com meu pai — “papai” era minha arma secreta contra minha vó. Ele
sempre se atirava aos crocodilos e tubarões para me proteger dela. Cadê ele
nessas horas?
— Blaine, aprenda uma coisa.
Apenas minta para mim, quando realmente tiver alguma idéia de como fazer. Seu
pai passa as tardes na biblioteca, ou seja, a biblioteca fica num raio de 24
quilômetros da minha sala de estar
Merda,
ela estava certa. Meu pai era professor de história na nossa única escola da
cidade, Swamp High, o que significava
que se não estava dando aulas, consequentemente estava no seu templo sagrado, a
biblioteca.
Giulio
Winston era um dos bruxos mais inteligente e que conheciam toda a história de
nossas origens. Minha vó e minha mãe se enquadram nessa estatística, por esse
motivo meu pai e minha mãe foram predestinados um ao outro.
Bethany
Ann Winston, filha de Jamile Winston. Morreu quando eu tinha sete anos, perdi
minha melhor amiga. E meu pai perdeu o domínio de seu elemento – a terra. E o
grande amor de sua existência, e de todas as suas vidas passadas. Sua
verdadeira “alma”.
Era
assim que se nomeavam quando um bruxo encontrava o grande amor de todas as suas
vidas passadas, e o predestinado para as próximas vidas futuras. Os anciões
faziam rituais quando várias crianças da mesma família ancestral nasciam, se os
astros confirmassem que as crianças eram “almas”, exatamente como almas gêmeas.
Um laço era criado entre eles por um ritual muito antigo. E depois que ambos
ascendessem, um feitiço milenar os uniria para sempre.
Se caso
um deles morressem de alguma forma que não fosse morte natural, o outro
perderia seu domínio sobre um dos quatro elementos. Meu pai era nascido na lua
cheia, seu elemento era a terra. Minha mãe era nascida na lua minguante,
portanto seu elemento era a água, assim como o meu.
Eu tinha
minha “alma”. Patrick e eu sempre fomos verdadeiras almas gêmeas, não imaginava
um mundo sem a sua existência.
— Desculpe, vó... — abaixei os olhos, meus lábios presos em um beicinho
arrependido.
— Vá se trocar, minha menina. Hoje
você recebeu uma entrega muito especial —
ela disfarçou o entusiasmo.
Seria
meu vestido? Ela fez mistério durante todos os meses que minha festa fora
planejada sobre minha roupa.
Subi as
escadas pulando a maioria dos degraus. Escancarei a porta do meu quarto, em
cima da minha cama, um grande pacote roxo com grandes estrelas douradas se
destacava na roupa de cama rosa - claro.
Minhas
mãos tremiam de ansiedade, por conta disso rasguei o laço após a primeira
tentativa de ser delicada fracassar. Afastei o papel de seda preto, arfei
quando finalmente fitei o conteúdo.
Gostou?
A
presença de Patrick em minha mente era clara, ele esperava esse momento.
Foi você?
Sim, eu vinha sonhando com você
nele havia muito tempo. E minha tia soube captá-lo.
Ergui o
vestido da caixa, ele era preto, e o tecido parecia uma mistura de seda e cetim
com a saia avolumada como de Scarlett O’Hara. No entanto apenas a cauda era longa
o suficiente para alcançar o chão, as camadas da frente do vestido caíam um
degrade suave. Deixando parte de minhas pernas a mostra.
Fitei
meu reflexo no grande espelho do meu quarto, a moldura em rosas metálicas. Meus
joelhos fraquejaram, o tecido caía pelo meu corpo com perfeição. Justo nos
lugares certos, o corpete acentuava minha cintura fina, e ressaltava meu busto,
juntando e aproximando os seios. As mangas eram bufantes, um brilho prateado
sutil cintilava do tecido negro. Parecia tecido por aranhas costureiras, tão
delicado.
Aranhas?
Patrick
riu, eu estava deslumbrada com o vestido. E ele deslumbrado comigo.
Eu... não tenho palavras. É
perfeito. Eu te amo.
Você está mais perfeita do que
nos meus sonhos. Sabe qual é o melhor de tudo? Você é inteiramente minha.
--x—
— Filha? — Giulio batia na porta.
— Pode entrar, pai.
Ele
estacou em minha frente, dei uma voltinha temerosa. Meu cabelo caía em torno
dos ombros, comprido e cascateando, preso por grampos brilhantes. Meus olhos especialmente azuis, como Patrick
costumava dizer pareciam maiores por conta da sombra preta esfumaçada e as
várias camadas de rímel. Alisei ansiosa o comprimento do vestido.
— O que acha? —Ele continuava a
me fitar aturdido. — Pai
responde logo! É o único vestido que tenho...
— Falta apenas uma coisa para
ficar perfeita.
Ele riu
e me puxou para seu quarto. Parando em frente à penteadeira de minha mãe, abrindo
uma das gavetas. Ele tinha uma caixa de veludo, meus olhos se encheram de
lágrimas. Dentro estava o colar que ele dera a minha mãe no dia do casamento,
uma lua cortada ao meio.
O
pingente era uma lua minguante entalhada em ouro branco. Meus dedos
acompanharam o formato na jóia fria, o cordão de ouro trançado com fios de
prata. Ele tirou o colar da caixa, dando a volta e ficando atrás de mim. Senti
o contato da jóia em minha pele, acaricie o pingente e foi como se minha mãe
estivesse naquele quarto.
— Agora está perfeita. Tão linda como
sua mãe — ele beijou ternamente minha testa, eu passei meus
braços em sua cintura. —
Hoje é um dia muito especial na sua vida, meu amor. E eu queria te pedir
perdão, me desculpe se não te dei amor suficiente em algum momento. Se não
enxuguei suas lágrimas, e se não impedi que as derramasse.
O calei
com meu dedo indicador em seus lábios.
— Você foi e é o melhor pai do
mundo. Mamãe teria ficado orgulhosa. —
Apesar do que ele dizia, me sentia muito mais parecida com ele. Exceto pelos
olhos extremamente azuis que havia herdado de minha mãe.
Giulio
era um homem belíssimo. Seus traços eram elegantes, como de um aristocrata
inglês. O nariz reto e marcante no rosto gentil, os olhos tinham um azul
desbotado, como um céu cheio de nuvens finas e transparentes. Tinha o andar
cadenciado como da realeza, e sua postura régia destacada pelo smoking preto
que fazia contraste com seus cabelos tão loiros que se confundiam com alguns
fios grisalhos nas costeletas.
Foi
então que aconteceu...
Tudo ao
meu redor mudou, era como se eu tivesse em outro lugar.
Nada
teria me preparado para a visão da casa de Patrick queimando. As chamas lambiam
as laterais, consumindo as ripas de madeira e engolindo a varanda. Senti alguém
atrás de mim, então me virei. Era Patrick.
Seu
rosto encoberto pela fumaça que penetrava em seus pulmões tornando impossível
que respirasse. Era tudo muito confuso, mas eu sentia que Patrick estava
morrendo bem diante dos meus olhos e eu
não poderia fazer nada. Apenas assistir.
De
repente abri meus olhos, ainda estava na minha casa. Meu pai segurava minhas
mãos, ergui as palmas e estavam sujas de cinzas.
— Patrick! — disse exasperada, saindo do quarto ainda descalça.
Desci as escadas sem de fato enxergar os degraus, pois diversas lágrimas me
cegavam.
Abri a
porta e diversos bruxos de nossa vizinhança e família corriam rua abaixo, em
direção a casa de Patrick. Uma densa camada de fumaça provou que tudo fora
real,
Eu corri
em direção à fumaça. Tinha que chegar, tinha que salvar ele.
— Não! — minha vó segurou firmemente meu braço antes que eu
adentrasse a casa em chamas.
— Me solta! Ele está lá dentro! — esperneava vendo as estruturas cedendo à fúria
destruidora do fogo maléfico. Aos meus olhos eram como um monstro sem forma
devorando a única vida que residia naquela casa.
Uma
linha de fogo surgiu na grama alta. As chamas rugiram, separando-me de minha vó.
Levantei-me do chão, o vestido sujo pelas cinzas que caíam do fogo alto que
consumia a casa.
Lentamente
estiquei o braço, tentando ao máximo me concentrar nas partículas de água que
estavam presentes na terra. Era um esforço hercúleo por causa do turbilhão de
pensamentos, Patrick, agüente firme,
era o que eu pensava. Ele não me respondia, era se nossa conexão tivesse sido
cortada.
Sacudi a
cabeça, ergui as mãos com as palmas viradas para fora. Uma corrente elétrica
perpassou pelo meu corpo, um trovão soou. Lembrei-me de como Patrick me
instruía “A natureza é sua orquestra, e você é o maestro”. Minhas mãos
movimentavam como marés suaves, trovões soaram sobre nossas cabeças e a chuva
começou a cair.
Quando
finalmente a chuva aumentou, ensopando minhas roupas, as chamas me atacaram.
Não podia estar acontecendo, meu corpo foi lançado causando um estrondo.
— Blaine!
Minha vó
tomou a frente dos outros bruxos que dominavam o elemento fogo, abrindo os
braços como se invocasse as chamas. A princípio nada aconteceu, até que o fogo
subiu tão alto, que várias centelhas foram lançadas em nossa direção. Ela
conteve o fogo o suficiente para não ferir mais ninguém, seus lábios finos
tremiam, ela conjurava feitiços. O suor brotava em sua testa, as mãos golpeando
o ar quente a sua volta, lutando contra o mal que se abateu naquele lugar.
Fui
tomada por um ataque de tosse, engasgando com a fumaça e minhas próprias
lágrimas. O calor vinha de dentro do meu corpo, minhas veias pareciam
inflamadas. A dor foi lancinante, me jogando ao chão.
A vida
de Patrick se perdera no fogo.
A chuva
começou a cair forte sobre nós. O vento diminuiu, começando a aplacar as
chamas, apesar de ser tarde demais. Eu sabia que era minha vó quem invocará a
chuva, eu fora uma estúpida pensando que conseguiria ajudar. Eu era fraca.
Eu olhei
para o que tinha sobrado da casa. Eu perdi tudo naquele dia.
Enterrei
meu coração nas cinzas onde jazia o corpo de Patrick, minha “alma”.
--x--
N/A:
O restante da estória será narrada em terceira
pessoa. Fiz esse prefácio com a intenção de dar algumas explicações de como
serão os bruxos de Eternity. Foi uma espécie de P.O.V(Point of View) da Blaine.
Senti que precisava ser mais pessoal, que vocês sentissem o sofrimento ao
perder o Patrick, sua alma.
Eu sei que está confuso, por isso estou postando um pequeno roteiro com algumas explicações necessárias, e as principais personagens. Algumas ainda aparecerão, portanto não fiquem preocupados.
Enfim, gostaram? Continuo?
Um beijo enorme, e por favor comentem. É minha primeira original feita inteiramente por mim.
Eu sei que está confuso, por isso estou postando um pequeno roteiro com algumas explicações necessárias, e as principais personagens. Algumas ainda aparecerão, portanto não fiquem preocupados.
Enfim, gostaram? Continuo?
Um beijo enorme, e por favor comentem. É minha primeira original feita inteiramente por mim.
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